Com grande frequência, leio, escuto e observo severas críticas ao mercado imobiliário. Ora dizem que está pouco se importando com as cidades; ora o classificam como um segmento de especuladores, insensíveis aos problemas da população. Não sei bem onde e quando surgiu tamanha animosidade contra o setor, mas se trata de uma imagem muito distante da realidade dos fatos e da atividade, cuja atuação precisa ser melhor analisada.
É necessário esclarecer que o estigma da especulação imobiliária brota de uma interpretação equivocada da antiga e irrevogável lei da oferta e da procura no movimento de compra e venda de imóveis. O cálculo é simples: quanto mais unidades habitacionais puderem ser construídas num terreno, e quantos mais empreendimentos puderem ser edificados em uma região, mais competitivos serão os seus preços unitários. O contrário também é verdadeiro.
Quem define o que, quanto e onde pode ser construído numa cidade é o poder público, através de planos diretores, nos quais zoneamentos e normas de uso e ocupação são definidos. Neste quesito, nosso histórico foi sempre marcado por políticas de ocupação restritivas, de baixo aproveitamento do solo. Em São Paulo, já chegamos a ter coeficientes de aproveitamento de 17 vezes o tamanho do terreno (Edifício Martinelli). Hoje, nosso coeficiente chega, no máximo, a quatro vezes.
As empresas imobiliárias dimensionam cada projeto a partir dessas regras, somando os valores da compra do terreno e da realização da obra. O total é dividido pelo número de lares ou escritórios cuja construção a lei permite em cada terreno. Chega-se, assim, a um custo unitário, ao qual se soma o lucro, determinando-se o preço final.
O raciocínio também é válido para cada bairro e para cada cidade como um todo: nas localidades em que se pode construir pouco, os preços sobem; onde ainda é possível realizar empreendimentos em maior número, os preços são mais competitivos. Se leis impedem ou restringem a ocupação, os imóveis serão cada vez mais caros e exclusivos. Fala-se em bolha imobiliária, mas o que na verdade existe é uma escassez cada vez maior de terrenos para moradia, trabalho e entretenimento, causando uma valorização crescente.
Em todo esse processo mercadológico não se configura a especulação, cujo verbete no Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa tem a seguinte definição: “Negócio em que uma das partes abusa da boa fé de outra”. Obviamente, tal pecha não se aplica a quem empreende sob os ditames legais, e tampouco a um mercado que atende à demanda da habitação, mantém milhões de empregos, recolhe impostos vultosos e cuja cadeia produtiva, a da construção civil, representa quase 12% do PIB brasileiro.
Há outro fator que também tem impacto nos preços, na satisfação dos ocupantes do imóvel e, claro, na imagem do mercado imobiliário: a qualidade da infra-estrutura urbana e dos serviços. Locais bem servidos nesses itens têm procura maior e, portanto, valores mais altos, além de um grau maior de satisfação das pessoas. Porém, quando falta isso, parece já ter transitado em julgado na opinião pública que a culpa, mais uma vez, é do mercado imobiliário. Ora, o setor não é o responsável por construir avenidas, pontes, viadutos, parques públicos, metrô, corredores de ônibus, trens, estrutura de atendimento médico-hospitalar, escolas e unidades policiais.
Como se vê, o que na realidade incomoda o cidadão e o faz pensar que a culpa é do setor imobiliário é o fato de as cidades crescerem sem planejamento, de ser cada vez menor o número de áreas disponíveis e mais restritivas as regras de uso e ocupação e de ficarem muito aquém da demanda os investimentos públicos em infra-estrutura, cuja evolução não acompanha a expansão das cidades. Tal descompasso é mais acentuado nas grandes áreas metropolitanas.
A título de exemplo, tomemos a cidade de São Paulo, que cresce, todos os anos, cerca de 65 mil habitantes. Este contingente demanda moradia, escolas, transportes, água, esgoto, segurança, atendimento médico-hospitalar, comércio, serviços e entretenimento. Esta conta de investimentos públicos e privados não pode ser ignorada e precisa ser quitada todos os anos, sob pena de ocorrer um desequilíbrio crescente e piora na qualidade da vida.
Mesmo com o mercado imobiliário aquecido nos últimos cinco anos, não temos dado conta do déficit habitacional brasileiro, que ainda beira as 6 milhões de unidades. Entretanto, muito pior é o nosso desempenho em investimentos e obras de infra-estrutura em geral. Caracas, na Venezuela, com 3,1 milhões de pessoas, possui igual extensão de metrô (74 km) que o município de São Paulo, que tem população 3,7 vezes maior, de 11,44 milhões de habitantes (Seade – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados).
Se maior adensamento, prédios altos e mais comércio e serviços fossem ruins, Nova York dificilmente seria o destino turístico mais procurado no mundo. Inclusive pela maioria de nós, brasileiros. Por que lá então é tão bom e aqui a crítica é geral? E é bom anotarmos que Nova York é 40% mais adensada do que São Paulo. Simples, porque a Big Apple é dotada de farta infra-estrutura urbana, que propicia um crescimento sem traumas.
Que bom seria se morássemos perto de casa, se não tivéssemos de tirar o carro da garagem; se pudéssemos ir a pé ao shopping, ao supermercado, à escola ou fazer jogging no parque público do bairro. E tudo isso sem medo de ser assaltado. Aposto que, ao vender seu imóvel, você o precificaria em, no mínimo, 15% a mais.
Luiz Augusto Pereira de Almeida
Diretor da Fiabci/Brasil e diretor de Marketing da Sobloco Construtora.